quinta-feira, 5 de abril de 2012

Ouvi o baque agudo ao mesmo tempo em que senti o cheiro tão metálico quanto o som da lâmina ao bater contra o piso frio. Cheiro de ferrugem, cheiro de dor, cheiro de salvação. Liberdade. A chave da minha jaula estivera ali o tempo todo, ao meu alcance, em uma forma afiada e cortante. As primeiras gotas, cada vez mais grossas, mais vermelhas, mais abundantes deslizavam com a leveza de uma bailarina até o chão. Não demorou muito para que eu sentisse a fraqueza chegando e cambaleasse como um alcoólatra em sua vigésima quinta lata de cerveja. Sentei-me desajeitadamente. Estendi meus braços sobre minhas pernas, com as palmas das mãos para o alto, observando meu maior feito. O sangue escorria incessantemente, em um fluir constante, quase padronizado. Eu não sabia quanto tempo iria durar acordado, a moleza tomando conta do meu corpo, dificultando minhas percepções, deixando-me sozinho com nada além de meus próprios pensamentos. E foi aí que me lembrei de que sempre estivera sozinho. Insuficiente seria estar sozinho apenas em meu leito de morte; não, isso jamais bastaria. Precisava que a solidão me acompanhasse como uma sombra, seguindo todos os meus passos, empurrando para longe qualquer um que tentasse se aproximar desde o dia em que passei a ter um nome. Exorbitantemente eficiente, essa solidão. Aliada à tristeza, então... Ambas sempre andaram juntas, carregando-me durante anos como um par de muletas; uma de cada lado, agindo como um apoio que nada mais fazia do que me enterrar cada vez mais dentro de mim mesmo.
Eu sabia que essa hora chegaria. Não poderia dizer quando nem se quisesse, pois essas coisas funcionam melhor quando não planejadas, mas ainda assim. Minha hora chegara. Meus olhos queriam lutar para se manter abertos, mas eu poupei-os do esforço irrelevante e fechei-os pela última vez, meus pulsos ensanguentados sendo a última coisa que vi nesta vida.
Eu pensei: essa não era exatamente a imagem que eu queria ter em meus momentos finais.
Eu pensei: essa dor poderia ser pior.
Eu pensei: quanto mais vai demorar até que meu motor desligue?

A resposta veio poucos instantes depois, e eu me lembro de ter pensado, com pesar, que aquele havia sido o meu pior erro. O lado bom, porém, era que eu não sobreviveria para ter que conviver com isso.

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